Lacripoemas: A Delicada e Intensa Poética

CRÍTICAS LITERÁRIAS

 

Lacripoemas: A Delicada e Intensa Poética

Dr. Marcus Vinicius Quiroga

 

RIO DE JANEIRO [ ABN NEWS ] — Lacripoemas é obra de temática única, que tem no neologismo do título sua explicação: são poemas sobre lágrimas e, é claro, suas várias motivações. Seus textos podem ser lidos como se fossem um só, tal a intensificação lírica, ao expor os sentimentos.

Sem derramamento ou pieguice, Andreia Donadon Leal nos apresenta diversos momentos em que o objeto lágrima simboliza um estado emotivo. Entre muitos escolhemos O tempo passou como o texto de maior impacto, porque, após revelar a reação diante da perda do pai e do tio, finaliza com os seguintes versos: “quando mãe morreu/o choro veio manso/mansinho/meio abobado e irreal/agora/o tempo passa, passa/passa devagar…”

O tom coloquial e intimista, graças à ausência do artigo e à repetição de palavras para expressar a constância e a intensidade da dor dão ao poema uma simplicidade comovente. E o tempo agora custa a passar, porque o tempo é subjetivo, medido, portanto, pelo pathos do eu lírico, não por seu relógio. A propósito, podemos dizer que Lacripoemas se estrutura no duplo movimento: ora se aproxima, ora se afasta da subjetividade.

Se, como lemos em Mistérios do mundo, “os sentimentos continuam sem explicação” e sabemos que são muitos, a objetividade se dá na forma como estes sentimentos são transmitidos. A escritora, com evidente domínio técnico, alterna modalidades e ritmos para construir em versos predominantemente livres uma obra-projeto. Notemos que a maioria dos textos se faz de poucos versos, com poucos verbos e com a utilização significativa do espaço em branco. Este é, por sinal, um dos aspectos que nos faz associar a poeta às vanguardas dos anos 60. Sem ser, obviamente, concretista, neoconcretista ou adepta do poema processo ou práxis, Andreia Donadon extraiu destas manifestações poéticas material útil para elaborar sua trajetória literária.

Embora use o verso, a sua linguagem é bastante sintética e agradaria aos Campos ou a Pignatari. Por exemplo, o texto Poema deforma a forma, já pelo verso-título, seria bem visto pelos olhos vanguardistas da época; mas, ao mesmo tempo, da rigidez antilírica se distancia, como vemos na passagem:” poesia que deforma formas/ poesia que deforma almas”, uma vez que sua poesia, contrária à dos concretistas, é anímica.

Já a objetividade do livro pode ser vista justamente na consciência formal e na diversidade de recursos estilísticos: imagísticos, como metáforas, antíteses e paradoxos; sonoros, como aliterações e paronomásias; estruturais, como gradações e repetições; e semânticos, com jogos de palavras e significações múltiplas.

Ousaríamos falar até em experiências formais, exercícios poéticos como variantes para o tema escolhido, com demonstração de virtuosismo linguístico, a serviço de um lirismo que, sem contradição, é simultaneamente delicado e intenso. O poema Quando nasci, no qual há uma relação intertextual com Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado, termina com os versos: ” desde que nasci/sou meio riso/ meio choro”. Como nos ensinou Hegel, nada melhor do que a reunião dos contrários para elaborar a síntese da obra.

Talvez a leitura não nos leve ao pranto, mas certamente nos levará a pensar sobre as significações da lágrima, com os olhos, não rasos, mas plenos de poesia.

 

Dr. Marcus Vinicius Quiroga – Vencedor do Prêmio Jabuti (poesia) – Rio de Janeiro RJ.